Selecionados 01 | Filosofem (1996) - Burzum

Para estreia da nova seção do De Volta Para o Vinil, Selecionados, trago um resenha escrita pelo meu amigo Marlon Vieira sobre o obscuro e caótico Filosofem, do Burzum. Na sequência trago um complemento sobre álbum e sobre o projeto. 
Aguarde você também poderá participar da seção Selecionados...

Ano: 1996
Gravadora: Misanthropy Records
Gênero: Black Metal e Dark Ambient
Obs: o álbum não está a venda.

E aqui vai algo de peso extremo, obscuridade, terror, caos e destruição: Burzum.
Varg Vikernes, ou Count Grishnackh, o único membro do projeto Burzum, saiu da cadeia em 22 de maio de 2009, depois de passar 16 anos cumprindo pena pelo assassinato de Euronymous, líder da banda Mayhem. Mas acima destas histórias todas, ele é um nome forte num dos estilos mais extremos do metal: o Black Metal. E foi um dos pioneiros do Black Metal na Noruega. Mas apesar disso ele não é satanista, como muitos pensam (e tem toda aquela coisa de queimar igrejas no início dos anos 90 e tal), apenas é contra o cristianismo e seus atos.
O álbum de hoje é o Filosofem. Ele foi gravado no início de 1993, e trata-se das últimas gravações de Vikernes antes de sua prisão. Mas o álbum só foi lançado em 1996.Virkness tocou todos os instrumentos, como sempre. E utilizando recursos limitadíssimos, de propósito. A guitarra foi plugada ao som stereo de seu irmão, e a distorção ele consegui com um pedal velho. O microfone foi o de um headfone.
O resultado é um som extremamente sujo, ruidoso, chiado, poluído, imundo. Mas obteve sucesso, e na época foi considerado um bom álbum de Black Metal. Eu pessoalmente acho hipinotizante. Filosofem tem duas versões, uma norueguesa e outra alemã. Aí está, Burzum, Filosofem, extremamente escuro e aterrorizante, para socar o pâncreas nessa semana de terror! Mas gostaria de enfatizar o caráter filosófico das letras, os questionamentos, as abordagens diferentes que Vikernes nos apresenta. Não é simplesmente som pesado e sujo falando mal de cristãos ou comentando passagens folclóricas. vale a pena prestar atenção nos detalhes.
Marlon Vieira

Filosofem (do norueguês: filosofema) é o quinto álbum do projeto musical norueguês de Black Metal: Burzum. Ele foi gravado em março de 1993 e foi as últimas gravações de Varg Vikernes antes de sua prisão. Entretanto, o álbum não foi lançado até janeiro de 1996, como disse o Marlon.
A música de abertura foi a primeira música que Vikernes escreveu no Burzum. Foi previamente gravada em setembro de 1992 para entrar no álbum "Hvis Lyset Tar Oss", porém Vikernes não ficou satisfeito com o resultado, regravando-a para esse álbum seis meses depois.
A capa do álbum e o seu encarte contém um grande trabalho artístico feito por Theodor Kittelsen, conceituado artista norueguês.
Filosofem foi lançado, já Varg Vikernes cumpria a sua pena pelo assassinato de Euronymous, bem como pelo envolvimento nos incêndios de quatro igrejas norueguesas. Nessa altura, obras como "Det Som Engang Var" e "Hvis Lyset Tar Oss" já mostravam claramente (de forma mais obscura já existiam alguns indícios no EP Aske e no álbum homónimo) o caminho de Burzum no que diz respeito a formação do Black Metal norueguês.
Os caminhos explorados por Varg em Filosofem acentuam o que já havia sido feito com os álbuns anteriores e fundam uma série de preceitos que irão influenciar de forma decisiva muitas tendências dentro do Black Metal. Filosofem estabelece-se como referência, seja de forma direta com a completa criação dentro Ambient Black Metal, ou de forma indireta fazendo referência ao Depressive Black Metal, no qual a própria constituição do projeto Burzum é baseado.


Se há aspecto que sempre esteve inerente à música de Burzum é o poder de expressar emoções de uma forma intimista e poderosa, que transforma a audição do projeto numa tentativa (artisticamente tremendamente bem sucedida, diga-se de passagem) de abstração em relação à dimensão humana. Em Filosofem, Varg consegue levar este efeito até ao extremo, pois a desumanização em Filosofem não se dá através a supressão emotiva, mas sim de ambulações para fora do espaço e do tempo da audição do álbum. Os ambientes criados por Varg são não só antagonistas do cotidiano habitual, mas sobretudo, ambientes que nos projetam para estados de espírito em que ligação humana é reduzida ao mínimo.
A mestria na fusão dos elementos mais tradicionais do Black Metal com a sonoridade ambiental, associado a capacidade de juntar elementos de execução simples, fazem com que o álbum possua um efeito poderoso e único. A face mais visível desta qualidade são os riffs que invadem o trabalho, considerados terrivelmente simples como também imensamente belos e assombrosos.
Qualquer uma das primeiras três músicas possui riffs que conseguem, não obstante a sua simplicidade, transmitir todo um conjunto de sentimentos com uma intensidade incrível.
Em Filosofem, atinge-se com perfeição o ponto de equilíbrio. A primeira faixa "Dunkelheit" parece que foi pensada minuciosamente, pois cada um dos elementos tem um tempo de entrada perfeito e provoca sutis mudanças de ambiente. Os riffs iniciais introduzem a faixa de forma lenta e sombria, com a bateria a seguir na mesma toada até à entrada do riff principal, ao que se segue os teclados que sublinham de forma perfeita a melodia da guitarra. São sete minutos onde estes elementos são conjugados de forma perfeita com a voz arrepiante de Varg e com algumas mudanças quase imperceptíveis, mas que fazem toda a diferença para que não haja uma repetição excessiva na faixa. No entanto, Varg também varia na forma de fluir as faixas, não centrando simplesmente nos teclados, para criar momentos interessantes.
A segunda faixa, "Jesu Død" é a demonstração disso, pois mesmo através de um cortante conjunto de riffs rápidos que é acompanhado pela igualmente furiosa bateria, a própria velocidade dos riffs cria uma dinâmica que não se torna cansativa durante os mais de oito minutos.
Como já referido, Filosofem constitui-se como uma obra de grande dimensão graças à forma como a simplicidade técnica se transcende em brilhantismo, quando tudo está perfeitamente encaixado. As faixas mencionadas atestam a qualidade dos riffs neste trabalho, assim como a forma com que os teclados minimalistas sublinham uma atmosfera nostálgica e melancólica. Por outro lado, naturalmente apenas presente na parte Black Metal do álbum, a bateria não tem um papel tão evidente, servindo sobretudo para frisar o tempo das músicas que acaba por variar consideravelmente nas três primeiras faixas. A própria produção acaba por relegar para segundo plano a bateria, uma vez que se encontra bastante “enterrada” na parede de som. Ainda assim, o som “seco” da bateria é uma das características notórias do álbum, seja nos momentos mais acelerados de "Jesu Død" ou quando o tempo médio de "Beholding The Daughters Of The Firmament" (Erblicket Die Töchter Des Firmaments). A bateria limita-se a servir da base para todo o aparato criado pelos elementos que se destacam em Filosofem.
Também com uma colocação bastante “distante” na produção, encontra-se a voz de Varg, que é um dos elementos mais reconhecíveis e importantes para a caracterização do álbum e sobretudo para o seu estrondoso resultado final. A voz apresenta-se de forma bastante diferente em relação aos anteriores trabalhos de Burzum. Antes deste trabalho, a voz de Varg era um gutural extremamente gritado, bastante único e original para o início dos anos 90 e simultaneamente uma das marcas características da abordagem singular do projeto em relação ao Black Metal. Em Filosofem, ainda se conseguem discernir alguns traços da voz gutural extremamente aguda dos primeiros trabalhos, mas a produção e a forma como a voz está encaixada no som mudam quase por completo. Usando o pior microfone do estúdio onde o álbum foi gravado, Varg obteve um efeito completamente distorcido e crispado que poucas semelhanças possui em relação a uma voz humana, mesmo quando comparado com as vozes torturadas dos primeiros trabalhos ou mesmo em relação ao conceito mais alargado de gutural nos subgêneros mais extremos do Metal.


Desta forma, a voz acaba por ser uma continuação do som difuso das guitarras, rasgando a parede sonora com um gutural agonizante que quase parece remanescente de um som Industrial, tal é a forma como a voz soa distorcida. O resultado final desta abordagem é soberbo, retendo grande parte dos sentimentos dolorosos que eram transmitidos com os guturais mais gritados dos álbuns anteriores, ainda que a forma como tal efeito é atingido seja consideravelmente diferente.
Em consonância com a emotividade dos vocais estão as letras do álbum. Em relação ao alcance das mesmas, pode-se dizer que não poderiam ter uma melhor presença que não num trabalho cujo título é Filosofem. Não sendo letras complexas num sentido tradicional do termo, deambulam por um mundo de preocupações existenciais através de relatos de um tempo passado e de paisagens desaparecidas. A imagética naturalista é uma constante e serve tanto de descrição simples (como na parte mais ambiental do álbum), como de plataforma para temas que parecem corroer a imaginação de uma mente em permanente viagem interior. A já referida sensação de viagem dá-se não só aos mundos criados pelas letras do trabalho, mas também as metáforas criadas pelo “filósofo”.
Assim, a primeira faixa auto-intitulada "Burzum" (mas “popularizada” como Dunkelheit) possui um misto de imagética naturalista e um certo tom pagão, que surge de forma mais clara na segunda parte do álbum.
Segue-se "Jesu Død" (mais conhecida pela versão alemã: Jesus’ Tod) com uma descrição obscura da figura de Cristo. “A morte de Jesus” representa o nazareno de forma pouco usual, não como uma figura de paz e tranquilidade, mas como uma figura obscura e sombria. Mais do que um ataque gratuito à pessoa de Cristo, trata-se de uma retratação que se foca no lado oculto e sobretudo humano de alguém cujo sofrimento e dor se sobrepõe claramente à sua tradicional “reputação". Nessa música torna-se clara a inversão de valores: o santo, o sacro, o sagrado e intocável é justamente o antinatural.
No entanto, e sem qualquer desprimor pelas mencionadas letras, o melhor momento neste campo em Filosofem (e em toda a discografia do projeto) encontra-se na terceira faixa, "Beholding The Daughters Of The Firmament" (Erblicket Die Töchter Des Firmaments). Uma interrogação existencial invadida de melancolia e solidão, de uma alma em permanente convulsão interrogativa, provocada pela noção de desconhecimento e vazio face à sua existência. A letra trata de perguntas comuns a todos os seres humanos, não esquecendo obviamente da crítica ao cristianismo que quase sempre acompanha suas músicas e, de uma forma ou de outra, encontra-se incrustado em sua música:
"Eu gostaria de saber o por quê de que a vida deve ser
Uma vida que dura eternamente"
Ou até mesmo:
"Todo inverno tem um frio diferente
Em todo inverno eu me sinto tão velho
Tão velho como a noite
Tão velho quanto o frio terrível"
A estrofe acima e a interpretação de toda as estrofes da música exprimem a ideia de que o mundo apresenta-se diferente não somente porque a natureza muda, mas porque mudamos internamente e, acompanhada dessa mudança interna vem a percepção, ou seja, a percepção muda quando nós mudamos. O inverno é uma metáfora para o fim de um ciclo, quando nos sentimos mais fracos, daí a metáfora: "em todo inverno eu me sinto tão velho".
Por motivos naturais, as três primeiras faixas acabam por ser as que merecem uma atenção maior quando Filosofem é abordado de uma forma mais compartimentada, focando-se essencialmente na sua vertente ligada ao Black Metal. No entanto, temos que mencionar que sem "Decrepitude" e "Rundtgåing Av Den Transcendentale Egenbetens Støtte", Filosofem não atingiria patamares e ambientes que combinam perfeitamente com aqueles presentes nas primeiras faixas. "Decrepitude" será, talvez, a mais perfeita integração da vertente Dark Ambient com o Black Metal, o que torna a sua primeira versão (quarta faixa) numa passagem perfeita para a longa parte ambiental e a sua versão instrumental (última faixa do álbum) num fecho condizente para um álbum que consegue unir de forma sistemática as duas sonoridades dominantes. No meio das duas, surge a monstruosa "Rundtgåing Av Den Transcendentale Egenbetens Støtte", a única peça puramente ambiental do trabalho. Percorrida por uma melodia simples e hipnótica, a música vai flutuando longamente pelas suaves notas sintetizadas por mais de vinte e cinco minutos (um quarto do álbum, aproximadamente). Ainda que possa não fazer sentido de um ponto de vista individual, a quinta faixa fornece a viagem de relaxamento quando se ouve o álbum como um todo, sobretudo devido à forma como contrasta com a emotividade extrema que é presenciada na primeira metade do álbum.
Se é verdade que a compreensão de Filosofem enquanto obra passa obrigatoriamente pela segunda metade do álbum, é inegável que os três clássicos que iniciam o trabalho valem muito por si próprios. A hipnótica "Burzum" (a primeira faixa escrita por Varg em Agosto de 1991 ainda com a designação de Uruk-Hai) é um dos momentos incontornáveis em todo o movimento norueguês, pelas razões já largamente mencionadas e pela forma como simboliza todo o conceito de Ambient Black Metal. Da mesma forma, "Jesus Død" lembra algum do trabalho mais rápido de Varg e constitui-se como outra obra-prima, ainda que de uma forma distinta das outras duas faixas mais lentas, o que prova a capacidade de Varg de compor temas de enorme qualidade, com considerável variedade. Depois destes dois monumentos, a terceira faixa é uma “overdose” emocional de sentimentos melancólicos e profundos. Devido a estas características, "Beholding The Daughters Of The Firmament" acaba por ter óbvias influências em vertentes como o Depressive Black Metal sendo que a sua influência só é ultrapassada em matéria de importância pelo fato de ser o momento alto num álbum que nunca sai de um patamar de excelência.
Varg  propõe uma abordagem pós-moderna da música, com temas e até mesmo um instrumental diferenciado; despindo-se das amarras do belo convencional, propõe novas formas de expressão, que são plenamente entendidas quando analisa-se as verdadeiras razões do uso de uma sonoridade tão inconvencional.
Para compreender Burzum e Varg Vikernes, se faz necessário o conhecimento das idéias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (notadamente as apresentadas nos livros "Genealogia da Moral" e "O Anticristo"). Varg Vikernes discute, de modo breve, porém objetivo, questões apontadas anteriormente pelo filósofo como a descristianização, crítica a moral, crítica ao Racionalismo e até mesmo temas mais íntimos como o existencialismo. Porém, ele mostra-se original ao adotar o nacionalismo como tema de suas músicas mesmo tendo como influência Nietzsche que demonstra clara aversão a esta ideia. O instrumental destaca-se por não mostrar-se claro e nem complexo em visão técnica, porém com grande densidade psicológica, complementando assim, as letras.


Filosofem é um trabalho visionário e único que acaba por entrar na categoria restrita de obras claramente à frente do seu tempo. No entanto, a sua imortalidade atesta-se pelo fato de não ser mera influência cronológica, mas sim por possuir uma qualidade que o destaca dentro do subgênero de Black Metal que acabou por influenciar. Não é só o fato de surgir antes de toda a gente no campo do Ambient Black Metal, trata-se de ser uma referência, porque possui um pioneirismo suportado por uma qualidade composicional que não é atingida por muitos trabalhos.
Acima de tudo uma obra total que usa o Black Metal como instrumento para deixar fluir uma experiência que transforma a audição numa das melhores formas de visitar caminhos onde o sentimento niilista impera, não de forma puramente destrutiva, mas numa perspectiva de constante indagação perante tão funesta existência.

Integrantes
Varg Vikernes - vocal, guitarra, baixo, teclado, bateria.

Músicas
Versão Norueguesa
01 – Burzum
02 – Jesu Død
03 – Beholding The Daughters Of The Firmament
04 – Decrepitude I
05 – Rundtgåing Av Den Transcendentale Egenbetens Støtte
06 – Decrepitude II

Versão Alemã
01 – Dunkelheit
02 – Jesus’ Tod
03 – Erblicket Die Töchter Des Firmaments
04 – Gebrechlichkeit I
05 – Rundgang Um Die Transzendentale Säule Der Singularität
06 – Gebrechlichkeit II

Fotos do Vinil 
Foto: www.metallusmaximus.com
Resenha baseada em diversos artigos

Comentários

  1. Esse disco é foda demais, prá mim, é uma das maiores joias do Black Metal. Excelente matéria, parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Descreve perfeitamente oq a música Jesu Dod me passa:hipnotismo,simplesmeite perfeito.

    ResponderExcluir

Postar um comentário